As famílias Uemura e Yamanaka, assim como dezenas de outras de origem nipo-brasileira, chegaram a Mauá da Serra por volta de 1957, atraídos pelos preços das terras ainda baratos da região. O então loteamento tem sua história e desenvolvimento intimamente ligados à presença desses imigrantes.
Entre os anos de 1957 e 1961, mais de 100 famílias se instalaram ali, desbravando as terras cobertas de samambaias e sapés – indicativos de solos ácidos e de baixa fertilidade.
Curso de Plantio Direto em Rolândia
1º Plantio Direto de Soja
Recebida Gramoxone e Rolex
Entre Linha
Em seguida, veio o ciclo do arroz. Essas culturas, no entanto, tiveram seu declínio por volta de 1963, com o aparecimento das doenças “mancha do chocolate”, na batata, e “brusone”, no arroz, causadas pelo cultivo sucessivo.
O plantio de grãos, como as culturas de soja e trigo, teve início em 1964, abrindo uma frente de expansão de áreas mecanizadas. Trabalhando em ritmo acelerado, até o início dos anos 1970 a maior parte das terras cobertas pela vegetação de samambaias e sapés havia sido desbravada.
A intensa mecanização e a exploração de sucessivas safras no sistema de plantio convencional começaram logo a mostrar seus efeitos daninhos, em forma de grandes erosões, causadas pela alta pluviosidade, e que seriam capazes de inviabilizar o uso do solo do município e região em curto espaço de tempo.
Mesmo adotando diversas medidas para reduzir os efeitos causados por este fenômeno, como terraceamento, subsolagem, plantio em nível, entre outros, o mal avançava.
A situação desanimou muita gente, que preferiu vender ou simplesmente abandonar suas terras, partindo em busca de vida melhor. Mas para sorte e continuidade do município, muitas outras resolveram ficar e reinventar a forma de cultivar o solo.
Fotos: Erosão antes de implantar SPD
O começo não foi nada fácil. O produtor Cândido Uemura ainda tem claras as lembranças de uma época em que quase tudo que se plantava era facilmente levado pelas águas das chuvas. Retrabalho e prejuízos faziam parte da rotina dos produtores rurais de toda a região.
O município de Mauá da Serra, que era grande produtor de batata, não só perdeu o título – devido ao aparecimento da doença “mancha do chocolate” - como quase viu a agricultura ser inviabilizada devido às grandes erosões provocadas pelo excesso de chuva sobre um solo descoberto e cultivado dentro dos conceitos da agricultura convencional.
Um dos momentos marcantes para Uemura ocorreu em 1970. A terra estava preparada, o herbicida incorporado, aguardando apenas a chuva para iniciar o plantio de soja. “Mas ela veio tão forte, que levou tudo embora”, conta Uemura. Era só mais um episódio de uma história que se repetia constantemente.
Desistir não fazia parte do dicionário da família, que, diz Uemura, “lutava diariamente para sobreviver”. A terra foi toda preparada novamente, mas ele sabia que era preciso fazer alguma coisa.
Em 1973, por meio de uma edição da revista “Dirigente Rural”, Cândido Uemura soube da existência do Plantio Direto na Inglaterra e se interessou pela informação. Conversando com seu irmão mais velho, Yukimitsu Uemura, soube que ele havia ouvido falar de um produtor de Rolândia, município localizado a 75 km de Mauá da Serra, que já estava experimentando a técnica.
A informação chegou a Yukimitsu por seu sobrinho, Issei Sakamoto. Ele, que na época trabalhava com venda de máquinas para beneficiamento de café e cereais, havia conhecido a lavoura de Herbert Bartz durante uma visita.
“No transcorrer da conversa com o Sr. Bartz tive a certeza de que aquela experiência prometia futuro promissor para a agricultura, se fosse bem desenvolvida, principalmente com referência à redução da erosão pluvial. Achei que tudo aquilo deveria ser levado ao conhecimento do meu tio Yukimitsu Uemura e, ao invés de eu voltar para casa em Londrina, fui até Mauá e convidei-o para irmos até Rolândia, ver uma experiência que tinha chamado a minha atenção”, conta Issei.
Cândido, Yukimitsu e Issei foram à propriedade de Bartz, em Rolândia, em janeiro de 1974. Ele lhes passou as informações que tinha e indicou a FNI (Fábrica Nacional de Implementos), onde poderiam adquirir implementos mais apropriados para a prática do Plantio Direto.
“Começamos plantando numa pequena área. Notamos que no sistema convencional a planta crescia mais rápido, mas que no final da colheita a produção era a mesma. Mas tinha uma diferença que chamou a atenção: no Plantio Direto o solo ficava mais sadio”, lembra Cândido Uemura.
Em 1975, grande parte dos produtores de Mauá já adotavam o sistema,tornando assim, a colônia japonesa da região a primeira a implantar de forma coletiva o Plantio Direto.
Ano a ano, a família Uemura aumentava a área plantada no Sistema Plantio Direto. E em 1978 eles tiveram a certeza de que haviam tomado a decisão correta. Uma chuva de grande impacto causou, mais uma vez, enormes perdas nas áreas de agricultura convencional da região. Na área do Plantio Direto não houve danos.
“Isso foi a salvação de Mauá da Serra e da agricultura brasileira. Hoje não se pode pensar a agricultura do Brasil sem o Plantio Direto”, sentencia, convicto, Cândido Uemura.
Os pioneiros do Plantio Direto no Brasil enfrentaram muitos desafios. O primeiro foi a falta de maquinário apropriado disponível no país. Em 1972 chegou da Inglaterra a estrutura de uma semeadora Rotacaster. Com a ajuda de técnicos representantes da empresa no Brasil ela foi montada na propriedade de Herbert Bartz e serviu como modelo para o desenvolvimento do maquinário no Brasil pela FNI (Fábrica Nacional de Implementos),.
Orientado por Bartz, o produtor de Mauá da Serra, Yukimitsu Uemura, comprou, então, uma semeadora Rotacaster RT-80 da FNI-Howard,com 13 linhas de trigo, cinco para soja e uma entrelinha para aplicação de mata-mato.
A Rotacaster foi o primeiro implemento desenvolvido e produzido no Brasil especialmente para o Plantio Direto e foi fundamental para viabilizar a prática no país. O maquinário foi utilizado até o início da os anos 1980, quando começaram a surgir máquinas específicas para o sistema.
O maior problema enfrentado na época era a lentidão no plantio e a necessidade de manutenção constante.
Em substituição à Rotacaster, em 1974 começa a ser usada a semeadora da marca Semeato, a PS 6 fabricada para plantio convencional, mas que foi sendo adaptada localmente para o Plantio Direto em variadas situações, contribuindo para o sucesso no Sistema Plantio Direto.
Em 1980 foi lançada a máquina TD-300 para semeadura de sementes miúdas como trigo e aveia, desenvolvida pela fábrica especificamente para o Plantio Direto, sendo que o número de série 005 está em exposição no Museu do Plantio Direto com data de fabricação de novembro de 1980.
A semeadora também foi usada como alternativa para o plantio de soja, novamente com algumas adaptações feitas nas oficinas das fazendas e dos mecãnicos da região. Os resultados não eram satisfatórios, mas tratava-se de mais uma alternativa, até que em 1986, a Semeato lançou as PS8 e PSE8, versão para o plantio direto da soja e milho.
Com mais velocidade e sem o uso da tomada de força como a Rotacaster, a primeira versão da Semeato já possibilitava ao produtor plantar áreas maiores, com menor tempo de trabalho e ocorrência bem menor de problemas mecânicos.
O desenvolvimento de equipamentos adequados ao Sistema Plantio Direto baseado nas experiências dos produtores de Mauá da Serra e dos Campos Gerais do Paraná, foi uma decisão estratégica da Semeato e merece destaque.
Paralelamente ao desenvolvimento de máquinas e implementos agrícolas, a indústria química buscava soluções para controle das invasoras e um grande volume de informação era gerado pela pesquisa, que buscava novos conceitos de conservação do solo.
A constatação de que o Plantio Direto poderia ser uma boa alternativa para isso marca uma segunda fase do desenvolvimento do sistema no Brasil, ampliando o seu conceito. O interesse pela técnica ganha adeptos, a pesquisa avança e começam a surgir resultados importantes. O Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), a Embrapa-Soja, além de outros institutos de pesquisa e as universidades, tiveram papel fundamental nesse processo.
No início, o Gramoxone, da ICI (atualmente Syngenta), era o único herbicida disponível no mercado. Era importado e aplicado com dupla finalidade: no manejo, para dessecação de ervas antes do plantio; e na eliminação de ervas entre as linhas de soja. Na época não existiam os herbicidas pós-emergentes.
As limitações do Gramoxone estavam no fato de ser um herbicida de contato não seletivo e na resistência de determinadas ervas à sua atuação. Assim, as plantas daninhas que sobravam após a aplicação muitas vezes tinham que ser eliminadas na enxada.
Já em 1978, O Roundoup, da Monsanto, começou a ser comercializado no Brasil. Ele surgiu como uma alternativa eficiente de combate ao mato. Sua ação era sistêmica, matando completamente as ervas. Porém, o preço desse produto era ainda impeditivo para boa parte dos produtores.
Entre os anos de 1977 e 1978 vieram os herbicidas seletivos, como o Basagran e o Poast, da Basf, sem os quais o sistema de Plantio Direto teria se inviabilizado no Brasil.
Outro marco aconteceu com a quebra de patente do Roundup, da Monsanto. Isso viabilizou a chegada ao mercado do similar Glifosato, que tinha como principal vantagem o preço mais acessível.
Outra indústria, que antes mesmo da chegada do Plantio Direto no Brasil já mostrava preocupação com o desenvolvimento de alternativas tecnológicas e deincentivo às práticas sustentáveis na agricultura foi a Dow AgroSciences, hoje Corteva.
Um exemplo é o 2,4-D, ingrediente ativo de um dos herbicidas mais estudados do mundo, descoberto em 1941. Registrado no Brasil em 1970, o 2,4-D é muito exigente na qualidade de aplicação, para evitar a contaminação e a deriva. Os herbicidas são uma opção no Sistema Plantio Direto como ferramenta para o controle das plantas daninhas, mas é importante considerar que também há alternativas mecânicas e culturais para esse controle.